domingo, 2 de setembro de 2018

O Caminho de Santiago – ou desde Santiago

Desde que me mudei pra Espanha, comecei a escutar sobre o Caminho de Santiago. Seja por uma amiga do BLPM, um amigo que veio pra fazer isso, companheiros de trabalho e até mesmo comecei a notar algumas flechinhas amarelas no chão, acompanhadas ou não de uma concha.

Quando as pessoas me contavam como era “o esquema” eu não acreditava! Mais de 30 dias caminhando, dormindo em albergues públicos, com uma mochila nas costas, buscando alguma resposta espiritual, ou fazendo turismo ou o que quer que fosse o motivo! Tudo me parecia muito intrigante e me despertava uma grande curiosidade, porém, eu nunca fui de sair andando sem saber onde dormir e muito menos de querer dividir o quarto com outras 50 pessoas que eu nunca vi na vida. Então sempre pensei: isso não é pra mim.

Foi então que eu comecei a discutir o assunto com a Suzana Paquete – a pessoa que mais andou por diferentes rotas do Caminho que eu conheço, e também troquei uma idéia com meu antigo profe de Francês – que já fez o Caminho mais de 10 vezes e trabalha como coach utilizando os aprendizados do Caminho, e tem um livro sobre o assunto.

A Suzana me falou de maneira muito certeira: seu caminho quem faz é você! Se quiser dormir em Hotel, você dorme… se quiser caminhar somente 2 dias, você caminha. Se quiser ir de jegue, de bicicleta ou de joelhos, o problema também é seu.

Era o que eu precisava ouvir! Aproveitando que nos últimos 45 dias o Danilo teve que ir pro Brasil… e eu já ia inventar alguma escapada pra praia com azamiga, virei pra Hérika, a famosa personal trainner e disse: por que não vamos pro Caminho? A questão é que a Hérika também tinha muita vontade e curiosidade, porém sempre dava alguma desculpa pra ela mesma e ia adiando. Dessa vez nenhuma de nós adiou ou deu desculpa… e fizemos uma rota do Caminho de Santiago.

Primeiro pensamos em fazer o final do Caminho Francês, uns 5 dias, saindo de Saria. Porém decidimos ir de Santiago de Compostela até Finisterre, onde realmente está o quilômetro ZERO do Caminho de Santiago. Como boa virginiana que somos, organizamos tudo com antecedência: trem, paradas, hotéis, mala, comida etc etc… 

A Hérika estava com medo da caminhada, eu estava meio em stand by, não me preocupei com nada (salvo o peso da mochila) até que realmente precisasse me preocupar. Também viajei na semana anterior e tive uma noite pra finalizar tudo e ir pra Estação Chamartin pegar o trem a Santiago no dia 02/08, quinta-feira, as 9h15 da manhã. Mas a Hérika não sabia da existência de Chamartin… e foi pra Estação Atocha. Quando se deu conta, não dava tempo de chegar na estação correta. Eu já comecei a pensar nos planos B, C, D… Cancelei o trem antes que ele saísse, para que devolvessem parte da grana, e fiquei esperando ela chegar pra tomar a decisão final. Não havia mais passagem de trem disponível até a próxima terça-feira!! Pensamos em ônibus mas a viagem era muito longa, pensamos em alugar um carro e deixar em Santiago, Bla Bla Car… mas nada deu muito certo. Então finalmente fomos com o meu carro! 

Fiquei refletindo sobre o que aconteceu já na saída, pois me considero uma pessoa de muito jogo de cintura, mas no geral eu me estresso muito com mudanças na agenda e de última hora é ainda pior… sei que em outra situação eu teria ficado muito puta da vida e provavelmente daria um sermão na pessoa “culpada”. Mas talvez a culpa também tenha sido minha de não confirmar com ela qual era a estação… e no fim, brigar não teria o mínimo sentido. A gente ia passar os próximos 5 dias dormindo no mesmo quarto e não seria legal queimar a largada!

Fomos rindo, cantando, fofocando e a viagem passou super-rápido! Chegando em Santiago, deixamos o carro no aeroporto (com pré-reserva pra pagar mais barato) e pegamos o ônibus pro centro. Fomos direto pra frente da Catedral, que, por sorte, estava totalmente livre de andaimes e renovações! Pegamos nossa Credencial do Peregrino, jantamos pelo centro e fomos direto ao Hostel dormir cedo, pois o dia seguinte já começava cedo.




Primeiro trecho: Santiago-Negreira

Saímos às 7h00 da manhã do Hostel, mas não tomamos café da manhã pois ainda não estava disponível nessas horas… queríamos sair cedo pra evitar o Sol. Nosso objetivo era chegar em Negreira perto das 12h00. Na saída já vimos um ou outro Peregrino – tentamos contar, mas foi difícil porque volta e meia alguém passava/voltava a passar e era impossível saber quem já tinha sido contabilizado ou não. Mas no geral vimos umas 60 pessoas. No princípio do caminho passamos por vários bosques e casinhas. Nos primeiros 4 km vimos uma máquina dispensadora de água, refrescos, comida e foi a única coisa que vimos nos primeiros 8 km! Aprendemos a partir desse dia que era melhor carregar água e comida (MESMO) porque quase não havia local para parar e comer alguma coisa. A Hérika saiu na minha frente, o que já estava pré-combinado que ia acontecer, e nos encontramos mais pra frente, mais ou menos no km 12. Passamos por uma mega subida nesse caminho, que me fez repensar porque me meti nessa fria! Mas fui parando e sentando no chão e deixando as pessoas passar por mim… e foda-se. Chegamos num rio super bonito, que a Hérika entrou e eu não tive coragem… a partir daí achamos que ia ser mais tranquilo… mas NÃO! Ainda teve muita estrada pela frente até chegar no Hotel que dormimos. Era umas 15h00 – aprendemos que o tempo é diferente no Caminho! Ali almoçamos SUPER BEM e dormimos a famosa siesta! As dores nas pernas eram insuportáveis para as duas… mas decidimos animar e dar uma volta pelo Pueblo – que não tinha praticamente nada. Compramos tipo um Gelol pra facilitar a dor das pernas, frutas, uma salada pra jantar e dormimos relativamente cedo.

Segundo trecho: Negreira-Mazarico

Decidimos trocar as mochilas pois a minha estava um pouco incômoda pra mim e a da Hérika pra ela – fizemos este teste. Esse dia seria o mais longo dos 4, então eu decidi que ia parar no meio, pra descansar bem. No dia anterior eu tive a sensação de ir mais longe do que precisava e meu corpo e cabeça estavam protestando muito na saída. Por sorte o hotel nos ofereceu café da manhã as 7h00, então comemos antes de sair. No dia anterior eu tinha conseguido manter um pouco a dieta de tomar os shakes e as cápsulas, mas a partir do segundo dia tudo saiu do eixo. E tudo bem… decidi não estressar com isso também, e voltar a fazer a dieta correta na volta. A grande questão é que, ao gastar quase 2000 calorias por dia, o que se come é um pouco menos relevante, ou melhor, eu tinha licença fisiológica pra comer o que bem entendesse: isso incluía minha Coca Cola Zero diária no meio do Caminho. Este dia liguei um podcast indicado pela minha amiga Isa Quintes – o Mamilos -  e ouvi histórias sobre mulheres no seu trabalho – refleti bastante sobre o meu e as propostas que fiz pro meu chefe! Parei num café pra refrescar e segui andando – a Hérika tava na minha frente quase há 50 minutos de distância. Peguei uma vertente do caminho e fui andando por um milharal sem sombra… daí acabei me irritando com esse Caminho! A Hérika me avisou que estava no próximo Pueblo… que estava há 15 minutos caminhando! Isso foi bem esquisito por que a distância não batia! Achamos que ela saiu da rota este dia e acabou andando quase 6 km a mais.

A Suzana sempre me dizia: o Caminho te mostra o que você precisa ver… pois eu, escutando um podcast sobre Burnout, não parava de ver placas de táxi!! E decidi “cancelar” os últimos 10 km e chamar o serviço de táxi do Hostel que ficamos. Foi a melhor decisão da vida. Fiquei na piscina de água fria esperando a Hérika chegar – fomos comer na Pizzaria do dono do Hostel – que era a única coisa disponível no Pueblo – e foi a pior pizza que comemos na vida hahahaha. Mas tá valendo. Neste dia, as 21h00 eu já estava dormindo!! Acordei as 3h00, as 4h00, as 5h00…e cada vez a dor nas pernas ia melhorando. Juro que se estivesse com dor ainda, ia pegar outro sistema de transporte alternativo, afinal eu não precisava me matar! O teste da mochila deu na mesma… chegamos a conclusão de que o problema era a distância e não o peso da mochila, nem o formato!

Terceiro trecho: Mazarico-Alcorbión

Na saída desde dia, pegamos uma carona com a mulher do dono do Hostel, pois este local estava uns 2 km fora da rota. Começamos um pouco antes de chegar a Alveiroa (onde é a parada oficial) e paramos por lá para tomar café da manhã. Este dia pra mim foi o melhor dos melhores! A rota era toda tranquila, no meio de bosques, rios, represas… o único ruim: nenhum bar, hostel, mercadinho que fosse, em uma distância de 14 km!!! Por sorte, encontramos uma fonte no Caminho, que foi a salvação pra refrescar! Foi nesse dia que pensei: se sofro um acidente aqui, ninguém me encontra! Este Caminho é pouco explorado e com poucos Peregrinos… então a parte de conversar com alguém fica bem rasa (o que não me pareceu ruim) enquanto não existia locais habitáveis em volta para uma parada (o que me pareceu terrível). No fim eu e a Hérika andamos juntas todo o tempo! Decidimos parar no Pueblo mais próximo, que era Cee e paramos pra comer UM MEGA ENTRECOT maravilhoso! Nosso Hotel ficava perto da Praia do Quenxe e foi sensacional! Tinha uma praia super gelada do lado, e foi ótimo para todas as dores nas pernas e nos pés… De noite falei pra Hérika que necessitava uma macarronada! E fomos contentes e de comum acordo buscar alguma opção pelo Pueblo! Cheguei a conclusão de que os gallegos são super legais a segunda vista… à primeira vista te tratam bem mal, salvo o hostess deste hotel em Alcorbión, que foi a pessoa mais querida que eu vi neste Caminho! Neste dia além das dores na panturrilha, por causa do calor, eu tive uma alergia imensa na batata da perna e me apareceram muitas bolhas d’água no calcanhar! Não doía nem coçava, mas era feio de ver…

Quarto trecho: Alcorbión-Finisterra

Neste dia não saímos tão cedo, pois eram “apenas” 14 km até Finisterra e logo mais 3 km até o Farol do km 0. Tomamos café com calma e saímos mais ou menos as 9h30 da manhã e por “sorte” estava nublado e frio! Foi bem gostoso caminhar assim, o clima era totalmente outro. Cheguei a encontrar um grupo, mas andamos juntos muito pouco. Percebi que ninguém estava a fim de papo nessa rota! Este trecho do Caminho tinha muita descida, o que me fez escorregar algumas vezes, mas sem nenhum acidente. Fui o tempo todo admirando a praia, e quando chegamos eram tão poucos kms que eu não tive a sensação de “acabar” como nos outros dias. Neste dia ficamos num hotel rural MARA! E tínhamos um quarto cada uma, porém dividindo banheiro e uma salinha. Era LINDO. Descemos almoçar onde a moça pouco simpática do hotel indicou (mas ela ficou mais legal depois que nos viu a segunda vez), fomos pegar nossas Fisterranas – o documento que atesta que fizemos esta rota e decidimos voltar pro hotel pra descansar antes de subir ao Farol.  Ah, antes compramos as passagens pra Santiago! Deixamos as mochilas desta vez, claro. Porém começou a chover bem na hora que começamos a subir: conclusão – não vimos NADA lá de cima… e ventava muito… este foi pra mim o momento mais frustrante da viagem, pois eu não consegui ter a sensação de que aquilo havia terminado. Pra mim ficou faltando um pedaço… Voltamos pra cidade pra jantar, e fomos dormir, já pensando na volta do dia seguinte!


Quinto trecho: a volta

Tomamos café no hotel, que estava ótimo, e conseguimos lugar no ônibus direto pra Santiago! Chegamos na hora da Missa do Peregrino e conseguimos entrar! Foi muito legal ver tanta gente lá dentro que havia passado pelas mesmas distâncias e situações. Depois fiquei sabendo que as pessoas confessam em Santiago como forma de pagar suas penitências e poder comungar outra vez. Fiquei pensando em como a Igreja Católica está passada de moda…  eu não entendi uma palavra do que dizia o Padre… e gostei muito mais da Freira que entoava os cantos. Também fazem parte do sermão em Inglês, Francês e Alemão! Vimos o famoso Botafumeiro, foi interessante finalizar o Caminho ali. Almoçamos em Santiago, tomamos um sorvetinho e fomos buscar o carro pra voltar. Outra vez, voltamos cantando e fofocando e a viagem passou super rápido.

Reflexões finais:

Não acho que eu fui em busca de nada no Caminho de Santiago, e nem tive um momento de reflexão forte. Porém, foi uma experiência interessantíssima para desconectar e pensar em absolutamente NADA! As conversas com a Hérika foram ótimas, assim como os quilômetros caminhando juntas ou mesmo separadas… fiquei pensando numa próxima vez! Acho que gostaria de fazer a parte de Saria pra ver como é um Caminho cheio de gente (o Caminho Francês inteiro me parece muito longo), e com mais pontos de parada! Além de ter ficado com muita vontade de fazer o Caminho Português pela Costa. Acho que o Caminho só começou pra mim!

Ah, tomei uma decisão sim: quero comprar uma bicicleta e fazer algum Caminho com ela!

Pra quem ficar com vontade de ter essa experiência, conta pra mim nos comentários o que está pensando! Vou adorar saber que dei força pra algum Peregrino! E no mais, Buen Camino!